quarta-feira, 21 de março de 2012

O Coração Como Fonte e Raíz das Doenças

           

 Atualmente a maioria dos profissionais de medicina chinesa chegaram a perceber que a maior parte de seus pacientes sofrem de sintomas como stress. Na medicina ocidental o stress é considerado como um fator misto, enquanto na medicina chinesa o qual considera os desequilíbrios emocionais como uma aflição espiritual de importância primária.
            A filosofia chinesa antiga considerava que a sensibilidade emocional como o maior recurso no processo de completar o destino humano. Porém o sentimentalismo e as emoções desequilibradas como nossa maior desvantagem devido ao vasto potencial patogênico.
            Os textos encontrados nos livros clássicos de medicina chinesa nos remetem à uma visão correlacionada com a filosofia Taoísta, Budista, Confucionista. No ocidente  poderíamos citar Carl Gustav Jung como uma referência que aprofundou-se na filosofia oriental e dela trouxe inspiração para formar o seu modelo de estrutura da personalidade, apenas mudando alguns termos para facilitar a compreensão.
            Os clássicos de medicina chinesa estabelecem que são forças invisíveis do Shen (espírito) e Qi (energia universal) que governam a matéria. O Ling-shu diz: “Os Céus vêem primeiro, a Terra em segundo”.  Nossa vida e as forças que nos direcionam encontram-se em um plano arquetípico e este vai gerando na matéria o impulso e direcionamento.
Liu Zhou, um filósofo do séc. VI: “Se o espírito encontra-se em paz, o Coração  está em harmonia; quando o Coração  está em harmonia, o corpo está pleno; se o espírito se torna irritado, o Coração  oscila, e quando o Coração  oscila, o espírito é prejudicado; se alguém busca curar o corpo físico, então será necessário que se regule o espírito antes. (A medicina chinesa considera que nosso espírito é abrigado no coração, e este é representado como o Imperador soberano, o qual rege nossas disposições internas orgânicas e psíquicas).

             Um profissional exemplar, portanto, segue os princípios dos tempos antigos,
experimenta sua mágica no presente, mantém seu olho interior no sutil e misterioso, e permanece conectado ao reino do ilimitado – O que a maioria não vê é o que o excelente médico valoriza; … é por isso que o médico superior atua com os “brotos invisíveis” ao lidar com o qi, enquanto os médicos inferiores focam-se no reino daquilo que já é manifesto, portanto contribuindo para o declínio do corpo.”

 As prioridades dos praticantes da Medicina Clássica Chinesa são então resumidos como a seguir: “Tratar o espírito; saber como nutrir o corpo físico;  conhecer a verdadeira transmissão da medicina herbal; trabalhar com os tipos de agulha maiores e menores; saber como diagnosticar o estado do qi e sangue nos órgãos órgãos e vísceras.”
Apesar deste claro retrato do papel principal do Shen  e sua participação no processo de formação da doença, a MTC contemporânea banira o papel das emoções dos arquivos históricos da medicina chinesa, junto com diversos outros aspectos da medicina clássica chinesa que não se entrelaçam com a ideologia da ciência materialista Marxista. Consequentemente, muitos praticantes modernos da medicina chinesa tendem a prestar mais atenção a vírus e bactérias do que ao stress emocional como causador de doenças.
Os textos clássicos nos dizem que é devido ao vazio do interior que os fatores perniciosos invadem nosso corpo. O que está pleno não pode ser atacado.
Em contraste a esse recente desenvolvimento, todos os médicos notáveis do passado concordavam que apenas animais e sábios iluminados eram capazes de escapar da influência das emoções,  enquanto seres humanos normais são sucetíveis ao seu potencial patogênico.
“A forma como o ser humano ressoa com o Caminho dos Céus é a seguinte: dentro dele, existem cinco órgãos zang que respondem aos cinco sons, às cinco cores, aos cinco sabores e as cinco direções.”
 Ao elaborar este sistema de correspondência celeste pelo poder do cinco, fontes médicas antigas mais adiante descreveram humanidade como sendo dotado de cinco sentimentos (wuzhi) e cinco naturezas (wuxing).  Os cinco sentimentos são os seguintes: vigor (nu), associado ao órgão da madeira, fígado; êxtase (xi), associado ao órgão do fogo, Coração ; contemplação (si) associada ao órgão da terra, baço; nostalgia (bei) associada ao órgão do metal, pulmão; e respeito (kong), associado ao órgão da água, rim. Todos eles fazem parte do movimento fisiológico do Coração  humano, visto que “vigor faz com que o qi ascenda, êxtase faz com que o qi se abra, nostalgia faz com que o qi se dissipe, pavor faz com que o qi descenda... e a contemplação faz com que o qi congele. Podemos ver claramente o papel das emoções na nossa fisiologia: O vigor faz com que o qi ascenda, podemos ver que a energia e o sangue elevam-se rapidamente quando nos encontramos frente a uma situação que nos desperte a raiva; a nostalgia faz com que o qi se dissipe, a depressão e a tristeza deixam uma pessoa sem vigor e energia. Mudanças desordenadas e sem o controle de nossa consciência irão gerar fatores que irão desestabilizar nossa circulação de energia e sangue através do organismo contribuindo para a formação de todo o tipo de enfermidades.

As cinco manifestações humanas da natureza divina (wuxing) são conhecidas também como as cinco constâncias, e representam: compaixão (ren) associada ao fígado; retidão (li) associada ao Coração; integridade (xin) associada ao baço; abnegação (yi) associada ao pulmão; e sabedoria (zhi) associada ao rim.
Como Xunzi aponta, as cinco naturezas são presentes dos Céus, enquanto as seis emoções são funções secundárias associadas a elas: Aquilo com o que o ser humano nasce é chamado de sua natureza;... o amor, ódio, gostos, desgostos, tristeza e ânsia por prazer que brotam dessa natureza básica, são chamadas de emoções."
 Dentro do clima das emoções humanas, além disso, as cinco naturezas são descritas como a constância celeste que está em constante perigo de tornar-se corrompida pelo mais imprevisível fator das seis emoções.
As seis emoções, portanto, são geralmente descritas como um fator que traz o desequilíbrio ao potencial celeste da humanidade e o atira ao caos. “Deve-se proteger as cinco naturezas celestes e eliminar as seis emoções,” um antigo comentador de Laozi afirma, em uma elaboração posterior: “Quando humanos livram a si mesmos das emoções e desejos, moderam as tentações sensuais do mundo material, e purificam as funções dos cinco órgãos, então a luz do espírito irá preenchê-los.
O Mestre Wang Fengyi (1864-1937) disse que a diferença entre se estar no comando e perder o comando sobre as emoções é a raiz da vida e da morte, e o ponto de partida de viver e morrer.
Vários médicos do passado acreditavam que a camada mais profunda dos danos emocionais não podia ser tratado com ervas, mas precisavam ser eliminadas afetando diretamente o espírito do paciente.  Dessa forma deu-se início a psicologia oriental e esta era dividia-se em ramos que ofereciam uma abordagem tanto para as pessoas que tinham uma orientação religiosa quanto para as pessoas comuns da sociedade que preocupavam-se basicamente com os labores e tarefas cotidianas. Para as pessoas comuns o tratamento visava combater uma emoção através de uma outra que tinha o poder de controle através do sistema de correspondência dos cinco elementos, e para as pessoas com uma visão espiritual mais desenvolvida, aconselhava-se a remoção dos seus apegos e buscas egoístas.
Wang Fengyi tinha uma forma diferenciada de tratar que enfocava diretamente no coração e no espírito do paciente, buscando o reconhecimento das causas profundas de sua enfermidade. Através da sua percepção e de diálogos que às vezes duravam horas à fio, foram relatados que muitos pacientes foram vistos chorando, desmaiando ou vomitando quando levados a um estado de reconhecimento e aflição pela transmissão do mestre. Seu tratamento fazia uma apelo à sua natureza superior e esta trazia grandes, repentinas e reais mudanças nos pacientes.

Considera-se que o efeito curativo se inicia quando o paciente é movido a tomar conhecimento de seu próprio envolvimento emocional no processo de formação da doença, e resulta na transformação de sua culpa com relação aos outros em uma reforma de si mesmo. Neste ponto, no qual narradores habilidosos algumas vezes são capazes de causar em minutos enquanto outros podem precisar de dias ou até mesmo semanas, o paciente tipicamente começa a vomitar, ou exibir outros sinais de limpeza corporal como chorar, transpirar, ou ter diarréia. Segundo Heiner Fruehauf em uma das suas viagens um dos curandeiros que visitou contou que de fato, “cirrose hepática pode ser eliminada em uma semana, enquanto alguns tipos de câncer levam três semanas ou mais até que materiais parecidos com alcatrão parem de ser expelidos”.  Transcrições de tais sessões de cura pode parecer normalmente superficiais, especialmente para alguém que tenha sido criado em um outro ambiente cultural, mas tanto curadores quanto pacientes insistem que é a transmissão do próprio narrador, alcançada por meio de um estilo de vida de conduta virtuosa, sem compromisso, que é necessária para se ter uma poderosa resposta.
Através de olhares modernos, a natureza de tais sessões de cura podem parecer similares ao fenômeno de qigong baogao (Conferência de transmissão de Qigong), a qual era muito comum na China antes da sanção oficial sobre os praticantes de Falun Gong.
Os terapeutas antes de receberem a permissão de seus mentores para começar a praticar a narrativa terapêutica, passaram muitos anos se preparando para esse trabalho, livrando a si mesmo de seus problemas emocionais.
Creio que não há outra saída aos profissionais que se dedicam de coração à arte de curar, a não ser buscar o refinamento em si antes de tentar realizar a cura no seu próximo. 

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